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Suster a Dor, Soltar o Sofrimento

Suster a Dor, Soltar o Sofrimento

A dor e o sofrimento fazem parte da vida, mas não são sinónimos: o sofrimento emocional pode ser eliminado, pese embora a dor seja inevitável. A dor é um mecanismo orgânico que põe o nosso sistema em estado de alerta. A dor emocional constitui-se num sentimento negativo que surge face a determinadas situações vivenciadas como negativas. Composta por uma só emoção, de duração relativamente curta e proporcional ao evento que a produziu, surge no momento em que nos sentimos feridos física e/ou emocionalmente. O sofrimento é a resposta cognitivo-emocional que temos face à dor, uma constelação de emoções e pensamentos que se entrelaçam de um modo intensivo, numa dança que se pode perpetuar indefinidamente, se assim deixarmos. Uma dor emocional poderá ser a tristeza profunda face à perda de um ente querido, mas o sofrimento instala-se quando essa mesma tristeza se converte numa depressão que poderá incluir sentimentos permanentes de raiva, insegurança, desespero, etc. e pensamentos reiterados, tais como: “É injusto!”, “Não merecia isto!”.

O sofrimento tem origem em estados emocionais negativos e equivocados, dependentes das interpretações que damos aos acontecimentos. Como se processa internamente, podemos ter controlo sobre, logo é opcional e pode, efetivamente, ser largado. Vivemos numa cultura e sociedade que negam e evitam a dor a todo o custo, o que está na raiz da dificuldade em saber manejar a mesma e aprender com ela. Por essa razão, quando vivemos uma situação dolorosa, sentimo-nos sozinhos e incompreendidos. O maior dilema não é o próprio sofrimento em si, mas o modo de lidar com ele.

Um caminho de resolução, através da expansão da Consciência.

Se conseguirmos suster a dor, permanecer com ela enquanto adultos que somos, sem rebolar no sofrimento, nem alienarmo-nos com o chamado “bypass espiritual” , chega um tempo em que ela começa a despertar-nos, dando-nos a possibilidade de questionar se é necessário o sofrimento na nossa vida e se não existirá uma outra forma de viver que seja mais plena: O que é a realidade? Quem sou? O que quero realmente da minha vida? Como criar uma vida mais positiva? Qual a minha missão? Paradoxalmente, é graças à dor que podemos amadurecer e expandir a nossa consciência.  

O apego ao sofrimento

O apego impede-nos de largar o velho e partir para o novo e é um obstáculo para qualquer mudança verdadeira, estando na origem do sofrimento. Quando encontramos justificações para ficar onde estamos e continuar da mesma forma, apesar das queixas reiteradas, estamos na presença do apego. Esta emoção confunde-se com quem somos e pode esconder algo mais profundo: o “apego ao sofrimento”, com o decorrente medo do novo, do desconhecido. Mudar é recuperar o poder pessoal e fazer escolhas das quais teremos que assumir total responsabilidade, o que significa eliminar o “conhecido e confortável” papel de vítima e implica sair da zona defensiva de conforto. Apenas o próprio, munido do desejo de mudança, e coadjuvado por um trabalho terapêutico profundo, pode sair deste ciclo infernal, rumo a uma liberdade de Ser.

Dois planos de consciência

De modo a estarmos “bem”, apesar das coisas poderem estar “mal”, sem cair na negação, necessitamos identificar dois planos de consciência: o eu que observa (o observador ou testemunha) e o eu que experimenta (o ego ou personagem, a “persona” ou máscara com a qual nos identificamos erradamente). Apenas o eu observador, o qual existe num espaço de harmonia interior, se pode dar conta daquilo que ocorre no cenário no qual se move o nosso ego: corpo, emoções e pensamentos. Testemunha isenta da desarmonia externa, “guia interno” que nos apoia e ajuda a tomar consciência do sofrimento emocional, quanto mais estamos nesse plano do observador (através da Atenção Plena e/ou da Meditação), mais harmonia interna sentimos.

Soltar o sofrimento passa por aprender a descobrir o “personagem” que interpreto automaticamente, quem acredito ser e não sou, aprender a descondicionar-me, a não colocar a causa da minha felicidade no exterior, a desidentificar-me daquilo que é passageiro, observando os movimentos da personalidade, integrando luzes e sombras, dando espaço ao Ser que sou para se expressar na vida diária e tomar consciência da impermanência do que há e do que é pois, na vida, tudo responde a “ciclos”: a segurança não existe e tudo muda constantemente. Nesta sequência podemos vivenciar momentos de cura emocional, nos quais a auto-consciência dá um salto, permitindo-nos ver o nosso ego com uma ternura infinita e compreendendo que, apesar de existirem ainda problemas por resolver, “está tudo bem”… a crise em si, passa a ser oportunidade de evolução… e o poder de actuar um fabuloso e merecido Presente!

Lúcia da Costa Soares
Terapeuta Transpessoal